\section{Introdução} \label{sec:intro} Durante as últimas décadas, o governo federal brasileiro vem tentando mudar seus processos de adoção e desenvolvimento de software. Por exemplo, em 2003, a recomendação de adotar software livre\footnote{Neste artigo, usamos o termo software livre como referente à Free and Open Source Software (FOSS).} tornou-se uma política pública. Em 2007, o governo brasileiro lançou um portal chamado Software Público Brasileiro (SPB), com o objetivo de compartilhar projetos de software livre desenvolvidos pelo governo brasileiro. Adicionalmente, o instrumento jurídico brasileiro de contratação de software (denominado IN 04/2012) determina que os agentes públicos devem priorizar as soluções disponíveis no Portal SPB. Em suma, a aquisição de uma solução proprietária deve ser explicitamente justificada ao demonstrar que não há alternativa adequada no Portal SPB. Em 2013, o Tribunal de contas da união (TCU) emitiu o Acórdão 2314/2013 sobre o uso de metodologias ágeis em contratos de desenvolvimento de software com a administração pública. Apesar disso, na prática, as metodologias de desenvolvimento de software livre ou ágeis, isto é, os métodos colaborativos e empíricos de desenvolvimento de software, não são amplamente praticadas e entendidas pelos agentes do governo brasileiro. Dessa forma, os processos hierárquicos e tradicionais do governo e a falta de expertise no desenvolvimento de software real de seus agentes produzem uma situação de contratos de desenvolvimento de software ineficiente. Desde 2009, o Portal SPB teve vários problemas técnicas. O código original da plataforma não estava mias sendo desenvolvido, e havia uma grande quantidade de dívidas técnicas para superar. O sistema era uma versão modificada de uma plataforma livre chamada OpenACS\footnote{\url{http://openacs.org}}, e o antigo portal SPB não estava sendo atualizado com os lançamentos oficiais do OpenACS. Nesse cenário, a manutenção do portal estava se tornando cada vez mais difícil. Depois de alguns eventos e encontros para coletar os requisitos via os agentes do governo federal e da sociedade, foi desenvolvida, entre janeiro de 2014 e junho de 2016, uma nova plataforma para o Portal SPB, pela Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade de São Paulo (USP) em parceria com o Ministério de Orçamento, Planejamento e Gestão (MP). Este foi projetado como uma plataforma integrada para desenvolvimento de software colaborativo, e inclui funcionalidades para redes sociais, listas de discussão, sistema de controle de versão e monitoramento de qualidade de código-fonte. Para coordenar e desenvolver esse projeto durante 30 meses, a UnB recebeu do Governo Federal Brasileiro um total de 2.619.965,00 reais. \begin{figure*}[hbt] \centering \includegraphics[width=.9\linewidth]{figures/home-SPB_2.png} \caption{Página inicial do novo Portal SPB.} \label{fig:spb} \end{figure*} O projeto foi desenvolvido por uma equipe de 3 professores, 2 estudantes de mestrado e cerca de 50 alunos de graduação (não todos ao mesmo tempo), juntamente com 2 designers profissionais e 6 desenvolvedores sêniors da comunidade software livre. Os professores e todos os estudantes de graduação eram da UnB e os mestrandos eram da USP. Quanto aos designers e desenvolvedores seniores, 7 dos 8 viviam fora de Brasília: Curitiba, São Paulo, Ribeirão Preto, Salvador, Punta Cana/República Dominicana e Montreal/Canadá. Em outras palavras, nós tínhamos uma equipe trabalhando em um ambiente virtual colaborativo e distribuído. A Figura \ref{fig:spb} mostra a página inicial desta plataforma integrada, que acesso (1) lista de discussões (Mailmain), (2) ambiente de apoio ao desenvolvimento (GitLab e Mezuro) e (3) rede social (Noosfero) com as páginas dos projetos e soluções disponíveis. Todo o desenvolvimento foi feito de forma aberta, e as mudanças que precisávamos nas ferramentas foram devolvidas às suas respectivas comunidades. Nosso processo foi baseado em práticas ágeis e nos mecanismos empíricos das comunidades de software livre. Definimos ciclos de desenvolvimento e lançamos 5 versões do novo SPB Portal. A primeira versão (beta) foi disponibilizada em setembro de 2014, apenas 9 meses desde o início do projeto. O antigo portal foi desligado em setembro de 2015. Por fim, a última versão, ilustrada na Figura \ref{fig:spb}, foi entregue em junho de 2016. Neste artigo, apresentamos uma visão geral dessa nova geração do Portal SPB. Este relato de experiência compartilha nossa metodologia e processo de desenvolvimento desse projeto, trabalhando com o governo federal brasileiro para cumprir suas exigências, ao mesmo tempo ser o mais fiel possível às comunidades de software livre envolvidas. Além disso, discutimos várias lições aprendidas para fornecer um ambiente virtual colaborativo e distribuído, envolvendo uma grande equipe de estudantes de graduação e desenvolvedores sêniors remotos. Por fim, lançamos uma plataforma sem precedentes para o governo brasileiro aplicar métodos colaborativos de desenvolvimento de software. Este caso pode ajudar outros projetos a superar desafios similares de engenharia de software no futuro, bem como demonstra como as universidades podem melhorar a experiência de mundo real de seus alunos por meio desse tipo de projeto.